UM DOS TEXTOS MAIS BELOS QUE JÁ VÍ!!
“Celebrar é vital – e nada como algumas datas marcadas para lembrar que a vida não é apenas luta; é também a possível alegria”
Não gosto de escrever sobre datas marcadas, mas às vezes acontece. Em cada virada de ano somos sacudidos por sentimentos positivos e negativos quanto a essas festas que para muitos são tormento.
Vale a história do copo meio
cheio ou meio vazio. Para alguns é tempo de melancolia: choramos os que
morreram, os que nos traíram, os que foram embora, os desejos frustrados, os
sonhos perdidos, a fortuna dissipada, o emprego ruim, o salário pior ainda, a
família pouco amorosa, a situação do país, do mundo, de tudo.
Muitos acorrem aos consultórios
de psicólogos e psiquiatras: haja curativo para nossa mágoa e autovitimização.
Se formos mais otimistas,
encararemos o ano passado, a vida passada, o eu que já fomos, como transições
naturais. Não é preciso encarar a juventude, os primeiros sucessos, o começo de
uma relação que já foi encantada, como perda irremediável: tudo continua com a
gente.
Em lugar de detestar estes
dias, podemos inventar e até curtir qualquer celebração que reúna amigos ou
família. Não é essencial ser religioso: se os sentimentos, a família, as
amizades, a relação amorosa forem áridos, invocar Deus não vai adiantar. Mas
celebrar é vital – e nada como algumas datas marcadas para lembrar que a vida
não é apenas luta; é também a possível alegria.
Não precisa ser com champanhe
caro nem presentes que vão nos endividar pelo ano inteiro: basta algum gesto
afetuoso verdadeiro, um calor humano que abrande aquelas feridas da alma que
sempre temos.
Quanto aos projetos, é melhor
evitar aquela lista de impossíveis. Importa cuidar mais da relação, ser mais
gentil com os pais e menos crítico com os filhos, falar mais com os amigos,
sair da redoma da amargura e abrir-se para o outro.
Ser fiel, ser sincero, ser
bondoso: a primeira coisa num namorado ou namorada, eu dizia sempre a meus
filhos e hoje digo aos netos, é que seja uma boa pessoa, leal, gentil. O
grosseiro é inadmissível. O ignorante é uma tristeza. O falso, cínico ou
infiel, é bom manter longe. Mas ainda que sem brilho, um bom amor, um bom
amigo, um bom pai e mãe, um bom filho, fazem a festa.
O resto são castanhas e
espumantes, ou – para quem não bebe – qualquer coisa que faça cócegas no
coração. Que faça sorrir. Mesmo para os descrentes, nestes dias algo mágico
circula por este mundo nem sempre bonito nem bom. mas, se nosso projeto for o
eterno perder 10 quilos, conseguir (isso não se consegue, acontece…) uma
namorada gostosa ou um marido rico – ou, quem sabe, uma parceira carinhosa -,
ganhar na loteria, vingar-se dos desafetos e mostrar quem é o bom, é melhor esquecer:
não valerão a pena a festa nem o novo ano, pois vai ser tudo mentira, oco e
vazio.
Também é aconselhável deixar em
segundo plano nestas datas a ideia de consertar o país: não vamos reinventar a
democracia, a justiça, a igualdade, a honradez e o bem-estar geral. Não
vamos evitar o desperdício de dinheiro nosso, o abandono dos flagelados, o
horror das prisões, as falhas na justiça, a violência, a insegurança, enfim,
deixa pra lá.
Vale mandar um pensamento, e,
se for o caso, uma oração, aos que vivem privações emocionais ou materiais, que
trabalham além do humanamente suportável, que perderam o amor de sua vida ou um
filho amado, que foram esquecidos e decepcionados, que nesta data não vão
escutar nem uma voz cálida ao telefone.
E, para as nossas dores
pessoais inevitáveis, a gente inventa um metafórico curativo para que o coração
se comova, o sorriso se abra, o abraço encerre aqueles a quem dedicamos – e nos
dedicam – algum afeto verdadeiro.
Repito que valem todos os
projetos e afetos, banais ou ousados, mas possíveis. Podem ser pequenos como um
Band-Aid: apesar dos nossos defeitos, a boa vontade, a gentileza, a licença que
nos daremos para agradecer o dom da vida hão de nos iluminar melhor do que as
antigas velas ou as modernas luzinhas.
Vamos nos permitir, sobretudo,
a alegria perdida no cansaço de tanta correria. Ela ainda existe: sabendo
procurar, a gente a encontra.